![]() 21/06/2025 16h53
Estruturalismo: a busca pela estrutura invisível do sentido
A filosofia, desde suas origens, buscou encontrar fundamentos últimos para a realidade. Com o passar dos séculos, essa busca deslocou-se: em vez de buscar uma substância essencial, muitos passaram a buscar estruturas / molduras invisíveis que organizam o visível. Nesse cenário surge o estruturalismo, movimento que floresceu principalmente no século XX, propondo que a realidade humana só pode ser compreendida por meio das estruturas que a sustentam, ainda que essas estruturas não sejam imediatamente perceptíveis.
Ao contrário das abordagens tradicionais que colocam o sujeito como origem de sentido, o estruturalismo sugere que o sujeito é um efeito dessas estruturas. Em outras palavras, antes de sermos autores do que dizemos, pensamos ou fazemos, já estamos inscritos em sistemas: a linguagem, a cultura, os mitos, as instituições. Claude Lévi-Strauss, por exemplo, mostrou que os mitos e os ritos das sociedades não são aleatórios, mas seguem uma lógica estrutural comum — mesmo que seus conteúdos variem imensamente. O interesse não está mais no que as pessoas pensam, mas na forma como elas pensam: há uma gramática oculta que estrutura o pensamento coletivo.
Essa proposta tem implicações filosóficas profundas. Ela questiona a ideia de liberdade como autonomia absoluta e coloca o sujeito num campo já determinado por regras que ele não escolheu. Para os estruturalistas, como Roland Barthes, até a narrativa é uma estrutura que impõe formas de ver o mundo. Dizer, portanto, que algo é “natural” ou “óbvio” revela apenas nosso esquecimento de que estamos operando dentro de uma estrutura / a qual poderia ser outra, se nossa história ou cultura fosse diferente.
No campo da linguagem, Ferdinand de Saussure estabeleceu as bases do pensamento estrutural ao mostrar que o significado das palavras não vem de uma relação direta com a realidade, mas da diferença entre os signos dentro do sistema da língua. O significado não está “dentro” da palavra, mas emerge das relações entre as palavras. Isso nos leva à constatação de que o sentido é sempre relacional, nunca absoluto.
Contudo, o estruturalismo não escapou de críticas. Pensadores como Michel Foucault e Jacques Derrida, embora influenciados por ele, apontaram seus limites. Foucault, por exemplo, mostrou que as estruturas são também históricas e mutáveis, e que o poder desempenha papel fundamental na sua constituição. Já Derrida desconstruiu a ideia de uma estrutura estável, mostrando que toda estrutura contém tensões e fissuras internas que a tornam instável. Assim, o que parecia sólido e permanente revelou-se também precário.
No fim das contas, o estruturalismo nos convida a uma espécie de humildade ontológica: somos menos autores do mundo do que intérpretes de um jogo cujas regras nos antecedem. Mas essa constatação não é paralisante / ao contrário, ela pode abrir caminhos. Ao reconhecer as estruturas que nos formam, podemos, quem sabe, começar a transformá-las.
"Foucault, por exemplo, mostrou que as estruturas são também históricas e mutáveis, e que o poder desempenha papel fundamental na sua constituição."
🔍 O que o estruturalismo dizia antes?
Os estruturalistas, como Lévi-Strauss e Saussure, acreditavam que existem estruturas universais, mais ou menos fixas, que organizam a cultura, a linguagem e o pensamento humano. Essas estruturas seriam como um “sistema por trás do palco”, e o ser humano só agiria dentro delas. Mas aí entra Michel Foucault.
🧠 O que Foucault criticou?
Foucault concorda em parte com o estruturalismo: ele também acha que existem “sistemas” (ou regras, ou estruturas) que moldam nosso pensamento, nossa linguagem, nossa forma de agir. Mas ele discorda da ideia de que essas estruturas são fixas ou universais.
Para ele, essas estruturas mudam com o tempo, de acordo com os jogos de poder de cada época.
🧩 Exemplo:
Na Idade Média, quem definia o que era “loucura” era a religião. No século XIX, isso muda: agora são os médicos, os hospitais, os saberes científicos que definem isso. Ou seja, a estrutura que define o que é “normal” e o que é “louco” mudou.
Isso mostra que as estruturas não são eternas, mas são históricas.
⚙️ E onde entra o poder?
Para Foucault, o poder não é só uma força opressora, como uma ditadura, mas sim algo que circula nas relações sociais, nos discursos, nos saberes.
Quem tem poder define a verdade da época.
Quem tem poder cria as regras do que é certo ou errado.
Isso tudo forma as “estruturas” da sociedade. Então, as estruturas (como o que é considerado normal, verdadeiro, permitido) não nascem do nada, mas são formadas e moldadas pelo poder.
Resumindo tudo:
Os estruturalistas achavam que existem estruturas fixas, invisíveis, que organizam nossa vida.
Foucault disse: essas estruturas mudam com a história, com as ideias dominantes de cada época.
E quem define essas ideias dominantes é o poder.
Por isso, para Foucault, não existe estrutura neutra ou eterna: tudo é histórico, mutável e ligado ao poder. Foucault acrescentaria: não é só a troca de quem tem o poder (de padres para médicos), mas a própria forma de exercer esse poder que muda / e isso muda profundamente a nossa experiência de mundo. Foucault acrescenta:
> “Não mudou só quem define, mas como esse poder atua.”
Antigamente:
O padre dizia: "Você está possuído. Vai ser exorcizado, isolado ou punido."
Era um poder visível, direto, autoritário.
Hoje:
O psiquiatra diz: "Você tem transtorno bipolar tipo II. Vai tomar remédio, fazer acompanhamento, talvez se afastar do trabalho."
Parece mais cuidadoso, neutro, mas ainda é um poder que classifica, controla e regula a vida.
Ou seja, Foucault quer mostrar que o poder moderno não manda de forma brutal como antes, mas atua de forma sutil, através de saberes, exames, laudos, manuais (como o DSM da psiquiatria). É um poder disfarçado de cuidado, mas que continua organizando o que é certo, o que é desvio, quem precisa ser tratado, afastado, medicado.
E como isso muda nossa experiência do mundo?
Porque hoje:
A gente pensa sobre nós mesmos usando esses discursos.
Em vez de dizer “sou triste”, alguém diz: “sou depressivo.”
Em vez de dizer “sou esquisito”, pode dizer “tenho um transtorno do espectro autista.”
Percebe? Nós incorporamos esses discursos estruturais em nossa própria identidade.
Trecho de segundo ensaio
Na sociedade contemporânea, a tristeza / uma experiência humana comum e até necessária / muitas vezes é rapidamente diagnosticada como depressão. O sujeito que busca auxílio encontra, não escuta ou acolhimento, mas uma estrutura de saber-poder que já está pronta para nomeá-lo: “você está com transtorno depressivo.” Essa nomeação não vem sozinha / ela carrega consigo prescrições, medicações, afastamentos e, muitas vezes, uma nova identidade que o sujeito passa a incorporar.
Como observou Foucault, o poder moderno não se impõe à força, mas age por meio de discursos aparentemente neutros, como o da ciência. O diagnóstico não é apenas uma descrição do que se vê, mas uma forma de controle, de enquadramento da existência. Cada vez mais, o sistema cria “eus adicionais”: eu ansioso, eu borderline, eu bipolar. A multiplicação dos diagnósticos cria uma fragmentação do sujeito, que se vê reduzido a rótulos clínicos.
E isso não é neutro: está inserido numa lógica de consumo. A farmácia, a indústria da saúde mental, o mercado de terapias e tratamentos / todos lucram com esse processo. A patologização da vida cotidiana se transforma, assim, em uma engrenagem do capitalismo: quanto mais diagnósticos, mais remédios, mais lucro. Até mesmo os relacionamentos entram nesse circuito / o comportamento do outro pode ser rotulado, classificado e descartado com base em categorias psiquiátricas popularizadas.
No fim, resta a pergunta: será que estamos vivendo nossas experiências, ou apenas tentando nos encaixar nos nomes que nos deram?
Acréscimo da visão ampliada
Homem e mulher: não são “essências”, mas construções
Foucault entenderia o masculino e o feminino como categorias históricas, criadas e mantidas por discursos sociais e instituições.
No século XIX, os médicos diziam que a mulher era “naturalmente mais emotiva e instável”, justificando que ela deveria cuidar da casa e não participar da política.
Esse discurso não era neutro: ele justificava uma relação de poder entre homens e mulheres / o que é exatamente o que chamamos de patriarcado. O patriarcado como uma tecnologia de poder
Para Foucault, o patriarcado não é apenas uma cultura machista; ele é um sistema de poder que organiza corpos, comportamentos e funções sociais.
Ele define o que é "ser uma boa esposa", "ser um homem viril", "ser uma mãe de verdade".
Usa discursos (religiosos, jurídicos, médicos) para produzir essas identidades como se fossem naturais, quando na verdade são normas impostas.
O corpo como lugar do controle
Foucault dizia que o corpo é um campo onde o poder atua. Então:
O corpo da mulher foi vigiado, normatizado, medicalizado.
A sexualidade feminina foi tratada como algo perigoso ou descontrolado (o que justificava o controle da mulher).
A maternidade foi imposta como destino “biológico”. Mas tudo isso, para Foucault, não tem base natural / é criação social a serviço do poder.
Não se trata de inverter os papéis, mas de questionar a estrutura
Foucault não proporia simplesmente trocar o domínio masculino pelo feminino. Ele questionaria a própria ideia de que papéis fixos deveriam existir. Seu foco seria libertar os corpos e os sujeitos das amarras desses discursos, permitindo que cada um construa sua existência sem precisar se encaixar em rótulos históricos de “homem” ou “mulher”.
Para Foucault, o patriarcado é um regime de poder que produz a diferença entre homem e mulher como se fosse natural.
Essas diferenças são, na verdade, efeitos de discursos históricos (religiosos, médicos, jurídicos). Ele não busca trocar papéis, mas desmontar a ideia de que os papéis devem existir. O que está em jogo é a liberdade dos corpos diante dos sistemas que querem controlá-los.
A biologia existe / mas o que fazemos com ela é construção social
A biologia reconhece diferenças entre corpos com útero, pênis, hormônios, cromossomos. Isso é inegável. Mas Foucault diria: O problema não é a diferença biológica o problema é como a sociedade transforma essa diferença em hierarquia.
Se a mulher menstrua → não pode liderar.
Se o homem tem mais massa muscular → é mais forte → deve dominar. A diferença vira justificativa de poder.
Emoção, força, razão: são realmente diferenças naturais?
A ideia de que mulheres são mais emocionais e homens mais racionais é histórica, não biológica.
Estudos mostram que emoções são igualmente intensas nos dois sexos, mas a cultura ensina os homens a reprimir.
Força física é uma média estatística, mas não define inteligência, empatia, nem liderança. Ou seja: as diferenças existem, mas o modo como interpretamos e usamos essas diferenças é uma construção histórica. É isso que Foucault e outras correntes (como Judith Butler) questionam.
Somos um ser humano sem sexo?
Foucault não diria que não temos sexo, mas que o modo como o sexo foi usado para definir quem somos é um problema. > “A sexualidade moderna não é apenas sobre prazer, mas sobre identidade: nós somos o que desejamos. O sexo passou a ser um discurso de verdade sobre nós mesmos.” Ou seja, antes, você apenas era uma pessoa. Agora, você tem que ser: Heterossexual ou homossexual. Homem de verdade ou mulher de verdade. Masculino ou feminino conforme regras culturais. Foucault convida a romper com isso: não nos reduzirmos a uma essência sexual.
A biologia existe, mas ela não determina como devemos viver.
Diferença não precisa virar desigualdade.
Foucault não nega o corpo, mas questiona os rótulos que a sociedade impõe a partir dele.
O ideal seria um mundo onde você pudesse ser quem é, sem que o seu sexo definisse seus limites, seu papel ou sua identidade.
Elixandra Cardoso
Publicado por Elixandra(costura pensamento filosófico) em 21/06/2025 às 16h53
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