![]() "A Costureira do Pedacim da Rua " Psicóloga de retalho e fé mansa.
A fulana me contou o causo. Chegou de manhã cedo, com o vestido vermelho rasgado na barra e a alma rasgada no mesmo canto. Disse que era só um reparo pra almoçar com o marido, mas os olhos diziam mais que a boca. Sentou ali na cadeira de vime meio torta, e enquanto eu passava a linha na agulha, ela passou a dor dela pra mim.
“Foi sem querer, ele disse.” O rasgo, a palavra, o silêncio. Tudo doeu junto.
Aqui no pedacim da rua, eu já vi muita roupa furada, mas tem remendo que a linha não dá conta. A gente costura o pano, mas o que precisa mesmo é de um chamego na alma. E eu, que nunca aprendi a benzer de verdade, benzo com escuta > e um café forte no canto da máquina, desses que abraça por dentro.
Meu gato preto, o Zé, deitou no banquinho ao lado e me lançou aquele olhar comprido de quem já viu esse filme. Como quem diz: “Mulher, vai com calma. Escuta sem carregar. Repara sem se perder.”
Enquanto a máquina zumbia e o ponto ia firmando, a vizinha falava das brigas, do cansaço, da ausência com nome de presença. Eu só ouvia, com os dedos firmes no tecido e o coração aberto, porque às vezes, o que uma mulher precisa é só que outra mulher escute sem julgamento.
“Vai ficar bom?”, ela perguntou, segurando o vestido.
“Vai. Só não puxa demais a linha da vida, que ela arrebenta”, respondi, olhando dentro dos olhos dela.
Ela sorriu com canto de boca > aquele sorriso tímido de quem ainda sente dor, mas já vislumbra cura.
Fiz que não tinha pressa.Só pra dar tempo das palavras certas virem.
“Olha, minha filha… homem que se amargura fácil, às vezes é só porque esqueceu doçura no caminho. Mas adoçar não é se diminuir, não. Adoçar é lembrar ele da mulher que ele escolheu > e que ainda tá ali, mas não vai aceitar ser pano de chão.”
Ela arregalou o olho, meio surpresa, meio esperançosa.
“Pega um dia e prepara um café com aquele cheiro de casa limpa. Não fala do que ele não faz, não. Fala do que você sente falta. Mas fala com ternura, que ternura desarma até zanga de velho. E quando ele vier com rispidez, não rebate. Abaixa o tom. Silêncio bem dado também é palavra forte.”
Zé, o gato preto, espreguiçou-se e soltou um miado preguiçoso > quase como um “é isso mesmo”.
“E mais, fulana: homem sente quando a mulher se recolhe por dentro. Então antes de tentar adoçar ele, você se adoce. Se olha no espelho, se penteia com cuidado, põe um batonzim que te faça sorrir de leve. Porque às vezes, o doce que falta nele, falta é no espelho da gente.”
Ela ficou calada, mexendo na alça do vestido como quem repassa a conversa toda por dentro. Eu terminei o ponto final da costura e entreguei o vestido > agora sem rasgo, pronto pra outro começo.
“Vai, minha filha. E se não der jeito, pelo menos que dê paz. E se não der paz, volta aqui. A gente costura outro plano.”
A moral
Nem todo rasgo se vê no pano > tem dor que só costura de alma alcança. E às vezes, um bom conselho dado entre linha, café, gato preto, e silêncio vale mais que remédio de farmácia ou palavra de doutor.
Chega mais, que a mesa do café tá posta e o coração não tem cadeira cativa >todo mundo cabe. A conversa é mansa, mas a tesoura tá afiada… pra cortar o que já não remenda, o que aperta demais ou desfia por dentro. Aqui, a gente costura junto > com escuta, olho no olho e um tantinho de fé no que ainda pode florir.
Prosa poética com a alma de crônica
É isso...
Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 24/04/2025
Alterado em 24/04/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
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