Elixandra cardoso, costura pensamento

"Tecendo silêncios e sentidos entre fios e pensamentos"

Textos


Faltava: chamado desejo reprimido

 

Faltava.

Não era fome, sede ou sono.

Era outra coisa >>dessas que não se vê, mas aperta no meio do peito, como roupa costurada torta.

Faltava um gesto, um toque, uma liberdade que nunca foi nomeada.

E lá no fundo, entre as dobras bem passadas do comportamento, morava ele: o desejo.

Não o desejo barulhento que arromba portas,

mas o que sussurra e espera, paciente, o dia em que alguém vá escutá-lo.

 

Desejo reprimido tem cheiro de armário antigo.

Mora onde a gente esconde o que não teve coragem de ser.

É vontade travestida de conformismo.

É o não dito nos olhos que desviam, na palavra que engasga, no corpo que desaprendeu a pedir.

 

A alma sabe.

Mesmo quando o rosto finge, o corpo denuncia:

um tremor na mão, um suspiro profundo,

ou o silêncio que pesa mais que grito.

 

Faltava.

Mas ninguém sabia dizer o quê.

Talvez porque ensinaram que querer demais era feio,

que sentir era fraqueza,

que sonho grande era coisa de gente que esqueceu o lugar.

 

E assim, o desejo foi ficando ali,

calado, alinhavado, dobrado em quatro dentro do peito.

Mas ele não morreu.

Desejo não morre.

Ele se transmuta em insônia, em impaciência, em tristeza sem explicação.

 

O chamado segue vivo, mesmo que sussurrando.

E um dia, quando a costura da vida arrebenta de vez,

ele escapa > feito botão solto na roupa velha,

gritando sua ausência com força de verdade guardada tempo demais.

 

Moral da história 

 

Desejo reprimido não desaparece > ele se desloca.

A psicanálise já dizia: o que não é elaborado, retorna como sintoma.

A neurociência confirma: o sistema límbico guarda impulsos que, se negados por tempo demais, explodem em ansiedade, insônia, até doenças psíquicas.

 

Epicteto e os estoicos alertavam: é preciso dominar os desejos, pois ser escravo deles é perder a razão.

Mas, por outro lado, Nietzsche rebate > chamando o desejo de força vital, motor da criação, vontade de potência que empurra o ser à transcendência.

 

No meio disso, talvez esteja a sabedoria:

nem negar o desejo a ponto de atrofiá-lo,

nem ser levado por ele como vento sem leme.

 

Reconhecer, escutar, acolher >

porque o desejo reprimido não quer gritar.

Ele só quer existir, com a dignidade de quem foi ouvido.

 

Spinoza, com sua clareza serena, propôs outro equilíbrio:

não o apagamento do desejo,

mas seu entendimento.

Para ele, desejar é afirmar a vida >

e a sabedoria está em compreender nossos afetos,

não em negá-los, nem em se render a eles sem consciência.

 

Já Simone de Beauvoir nos lembra que negar os próprios desejos,

sobretudo os mais íntimos, é negar a própria liberdade de ser.

E que muitas vezes, o desejo reprimido não é pecado >

é só o eco daquilo que fomos ensinados a temer.

No fim das contas, o que desejamos com mais força,

costuma ser o que há de mais vivo em nós.

E sufocar isso…

é costurar o próprio peito com linha grossa demais.

 

Leitor

 

Chega mais, que aqui o assunto é de dentro.

Se o seu desejo anda calado, se a alma às vezes pesa e você nem sabe o nome do que falta… essa prosa é sua também.

 

Puxa uma cadeira.

Aqui a mesa é farta de escuta, a palavra é temperada com afeto e a tesoura tá na mão >>>>>>

não pra cortar o que você é, mas pra aparar as pontas do que já não serve mais.

 

Entre um gole de café e outro de coragem, a gente se pergunta:

O que você tem silenciado?

O que sua vontade tem pedido baixinho, com medo de ser ouvida?

 

Vem com calma.

O fio da vida, às vezes, é mais sobre costurar o que sentimos do que sobre entender tudo.

 

E quem sabe, nesse remendo de palavras e vontades,

você descubra que o que faltava… ainda mora em você.

 

ensaio poético-filosófico.

 

É isso

 

 

 

Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 24/04/2025
Alterado em 24/04/2025
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