![]() “Entre Linhas e Lençóis: Remendo pra Dois”Costura de Silêncio e Conselho:
Era cedo ainda, quando o telemóvel apitou feito passarinho ansioso: pim pim. A mão, preguiçosa, escorregou no lençol como quem sabe que lá vem conta, cobrança ou causo. Mas não era boleto >> era cumade, já mandando o relatório da vida: briga com cumpade antes mesmo do café coar.
Desliguei o telemóvel com aquele suspiro que só quem ouve muita alma entende. Olhei pro gato preto estirado no canto da cozinha, ele me mirou com olho de quem já sabia: “Te ajeita, mulher, que hoje a conversa vai ser daquelas.”
Tomei meu café como quem toma um doce com gosto de amargo, porque consolo também tem hora marcada > e hoje era dia.
Nem passou muito, o telemóvel tocou de novo. Era ele, o próprio cumpade, com a voz meio mole, meio dura. Disse que tava de folga, ia aproveitar pra fazer uns remendos no fundo da calça, mas o fundo mesmo era outro: era da alma.
Eu, sem muito floreio, disse: > Chegue pro lado de cá. Aqui a gente costura até silêncio que rasgou.
Desliguei rindo... O gato preto deu uma voltinha em cima do tapete e se ajeitou no seu posto de juiz do invisível. Enquanto esperava, botei a garrafa de café na mesa da máquina, ajeitei a tesoura e deixei a alma em ponto de linha.
Cumpade chegou com aquele jeito de quem traz mais peso que pano. Entrou dizendo: > A costura me chamou…
Sentei ele na cadeira da frente, puxei o banquinho e, entre um ponto e outro na calça furada fui alinhavando palavras no seu peito.
Falei pra ele que tem raiva que grita, mas é só medo querendo abraço. Que às vezes, o amor da cumade tá só pedindo pra ser visto, não desafiado. E que mulher quando cala, não é porque não sente > é porque sente demais.
Enquanto eu falava, o gato preto cochilava > porque conselho dado com fé nem precisa de aplauso. A tesoura fazia seu ofício, cortando os excessos, e o café ia adoçando a prosa amarga.
Remendei calça, e remendei cumpade. mais leve parecia estar, agradecendo com aquele jeito de homem que ainda não aprendeu a chorar sem pedir desculpa.
Eu fiquei ali, ajeitando a bagunça, sentindo o cheiro do pano e do silêncio resolvido.
Não! cumade espere lá, calma Me dê prazo... para me ouvir rummmm
Cumpade então rebateu, com a voz trêmula mas firme:
> A senhora por certo já sabe do causo. A fulana deve ter passado o fio da história, do jeitinho dela. Mas agora é minha vez.
Trabalho todo santo dia > e não é só pelo pão não. É pelo bem-estar, pelo teto, pela tal segurança que todo mundo quer. Mas chego em casa e sou cobrado sem trégua, chamado de inútil como se amor fosse moeda pra descontar frustração. E o pior, cumade… como vingança, me negam até o dengo debaixo dos lençóis. E só eu e o Santo Binedito sabe como esse silêncio de dengo o quanto isso me fere.
A sala ficou muda. Só o barulho da máquina girando e o fundo da caneca recebendo mais bucadim de café. Olhei pro gato preto, que ergueu uma orelha e baixou de novo, como quem diz: "Agora é contigo, mulher."
Suspirei, encostei a agulha, e falei manso, mas certeira:
> Cumpade… remendo bom começa com linha dupla: uma do que a gente sente, outra do que o outro cala. Não adianta vestir farda de soldado se o peito anda estourando trincheira por dentro. E nem sempre a mulher nega o lençol por maldade. Às vezes, é cansaço, é raiva guardada, é palavra engasgada que não teve escuta.
Fale com ela sem espada na mão, sem escudo na frente. Fale com homem inteiro > não só com o pai, o trabalhador, o provedor. Mostre o que dói, sem gritar. Peça, sem cobrar. Porque carinho não é prêmio, é caminho.
Ele ficou ali, meio sentado, meio quebrado.
Antes de sair, tomou o último gole de café e murmurou:
> A senhora hoje costurou foi mais do que pano… costurou o que nem nome eu sabia dar.
Sorri, ajeitei a linha na almofada e respondi:
> Pois então, vá. Mas vá disposto a escutar também. Que casamento não se sustenta só de tijolo nem de lençol. Se sustenta é de alma em alma, remendo em remendo.
E o gato preto, no seu trono de almofada, fechou os olhos como quem aprova a sentença. Diz até o Santo Binedito dúvida o que debaixo do lençol vai truar...🔥
No pedacim da rua onde a fama me acompanha, sou costureira, benzedeira e conselheira > não sei tomar o benzo certo, mas sei acolher alma que quer sossego.
Moral
União entre duas pessoas não é costura sem nó, nem tecido sem avesso. É remendo constante entre o que cada um sente e o que o outro silencia. Às vezes, o amor pede coragem pra ouvir sem se defender, e ternura pra falar sem ferir. Porque convivência é isso: um ponto de acolher, outro de ceder, e muitos de refazer o que o tempo ou o orgulho rasgou.
No fim, quem entende que carinho não é cobrança > mas presença > descobre que o verdadeiro dengo não mora só nos lençóis, mas no gesto miúdo que diz: "eu tô aqui, mesmo quando tá difícil costurar."
Prosa poética com alma de crônica
É isso ai
Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 24/04/2025
Alterado em 24/04/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
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