![]() "Buraco no Vestido, Fiapo no Peito"Subtítulo: Na casa da costureira do pedacim da rua, entre linha, café e miado de gato, remenda-se mais que tecido > costura-se coração rasgado.
Aqui no pedacim da rua que moro, venho costurando sem parar... E quando precisa, remendo é na alma mesmo. Sou conhecida por esses lados como a que faz bainha, benze pensamento e aconselha coração alheio. A costureira benzedeira conselheira, como dizem por aí. E meu gato preto, rei do silêncio, vive me olhando como quem diz: "te vira, mulher."
Minha vizinha de muro, aquela que volta e meia pede um bucadim de açúcar pra adoçar o café dos bruguelos que faltou, gritou sussurrado:
> Vizinha...
Do lado de cá, respondi com um “hum?” que já dizia: “chegue, que o ouvido tá livre”.
Era lá pras bandas das três da tarde, quando o sol começa a fazer a curva pra alcançar o entardecer. Ela anunciou:
> Tenho uma festa hoje… vou com meu vestido vermelho. Só que traça fez um buraco bem no lado do peito. Tem como dar um jeito?
Escutei o recado, levantei da rede da varanda e gritei:
> Venha, que tô aqui chuliando pano e remendando pensamento tampando buraco.
O gato preto me olhou como quem queria dizer: “te prepara, que hoje tem causo com buraco”.
Preparei um refresco de limão daqueles que adoça até os buracos amargos do cão. Mas antes que ela chegasse, dei uma cochilada boa, daquelas que a gente viaja um pedaçim e parece a vida toda num sonho que a gente pede pra não acordar.
Escutei o toc-toc no portão, era ela. Chegou com o vestido furado e o olhar cansado.
Puxei uma cadeira da frente e um baquinho pra mim, e fomos cuidar do buraco da traça, que logo vi que era pequeno perto do que vinha.
Papo vem, papo vai... ela se abriu como quem abre baú antigo, com chave jogada fora:
> Vizinha... tô desconfiada do meu marido. Acho que anda de conversa com a fulana, minha amiga. Hoje ele disse que não vai pra festa. Mas sei lá... risada demais no zap zap, desvio no olhar. Acho que tô sendo traída...
O gato preto deu um miado seco, e eu continuei o ofício com linha, tesoura e mais um gole de refresco.
Suspirei e disse:
> Olha, minha fia... tem traça que rói por dentro, sem a gente ver. Mas tem buraco que é só mal costura. Antes de cortar tudo, vê direito o pano. Desconfiança é bicho traiçoeiro: cresce no silêncio, rói no canto escuro do coração.
Ela engoliu seco:
> Mas se for verdade?
> Aí é contigo: ou corta e refaz o pano com tuas mãos, ou joga fora e começa novo. Agora, se for só fiapo, uma boa conversa já resolve. Amor também cansa e precisa de ponto firme, cuidado e linha nova.
Ela olhou pro vestido, alisou o pano como quem alisa o peito. O sol batia no tecido vermelho que parecia querer ir dançar por conta própria.
> Vá pra festa, mas vá inteira. Não com olhar de ciúme, mas com dignidade passada a ferro e costurada no peito. Se ele te traiu, que veja o que perdeu. Se não, que aprenda a valorizar o que tem.
O gato bocejou, como quem diz: "mais uma alma menos rasgada."
Moral da história:
"União não é pano perfeito > é tecido com buraco de tanto uso. Precisa de remendo, conversa e carinho. O amor é bonito, mas só dura com zelo. Nem toda linha rasgada é fim, mas todo silêncio mal cuidado pode ser o começo. E no vaivém dos dias, o que sustenta não é a ausência de desgaste, mas o jeito de costurar junto > mesmo quando o pano parece não aguentar mais. Porque buraco usado não se joga fora > vira moda nova por cima, vira criação. É assim que a gente inventa beleza no que o tempo já gastou."
Prosa poética com alma de crônica e resenha.
É isso
Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 24/04/2025
Alterado em 24/04/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
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