Elixandra cardoso, costura pensamento

"Tecendo silêncios e sentidos entre fios e pensamentos"

Textos


O Buraco da Agulha, Já Não Passa Mais Linha.

 

Subtítulo:

O buraco que buscamos preencher no outro só encontra reparo quando aprendemos a costurar nossa própria alma.

 

Dona Chica, casada há mais de dez anos com o Zé, vivia uma rotina onde o que restava de carinho se resumia aos remendos. Ele, homem do turno da noite, passava o dia dormindo, enquanto ela ficava no silêncio de sua casa, costurando o que restava do amor. Mas o Zé não sabia que, enquanto ele dormia, algo mais estava se costurando nas linhas soltas da vida de Dona Chica.

 

Toda noite ele partia para o trabalho, e ela ficava ali, à espera de um gesto, de uma palavra, de um toque. Mas nada vinha. O vestido de Dona Chica, que antes se ajustava com amor, estava já largo de tanto desgaste. Era o buraco da agulha que ninguém mais queria preencher.

 

O vizinho do fundo, sempre atento e simpático, já tinha reparado. Ele, que passava todos os dias com a desculpa do "bom dia" e um sorriso sem pressa, sabia exatamente o que Dona Chica precisava. Ele começou a trazer o que o Zé não dava: atenção, carinho, e, claro, o toque suave da linha no buraco da agulha.

 

E foi assim que a linha foi passada de uma mão à outra, de um toque a outro. Dona Chica se viu envolvida pelo calor daquele outro toque, e o que antes parecia apenas uma distração, foi tomando forma de paixão. Ela não conseguia mais disfarçar. O que estava ali, entre os dois, era mais do que simples amizade ou compaixão. Era desejo, era aquele fio que conecta os corpos e as almas.

 

Certa tarde, com o vestido em mãos, Dona Chica veio até mim, com o olhar carregado e o peso da consciência estampado na cara. Sentei com ela na minha casa, onde o café ainda estava quente e o gato preto passava entre os móveis, como quem sabia da trama que se desenrolava.

 

> Dona... > disse ela, sem levantar os olhos. >> O Zé... ele já não passa mais linha no buraco da agulha. Nem me vê. Enquanto isso, o vizinho... o vizinho, ele me fez sentir o calor de uma costura que eu havia esquecido.

 

Eu a olhei, com a calma de quem já viu mil costuras e sabia que o que estava ali não era sobre tecido. Era sobre a alma, o desejo, a necessidade de sentir.

 

> Dona Chica... > respondi, passando a mão na linha, sentindo o peso das palavras que iriam sair. > Quando a linha deixa de passar no buraco da agulha, é porque alguém esqueceu como costurar direito. Não é sobre o vizinho, nem sobre o Zé. É sobre você, minha senhora. A costura que você precisava já não era mais no vestido, mas no próprio coração.

 

Ela me olhou, finalmente, como quem enxerga pela primeira vez o que estava diante dos olhos.

 

> Mas... e o Zé? Ele é meu marido... > ela disse, como quem se questiona a cada palavra.

 

Eu sorri, lenta, e respondi:

 

> O Zé já não passa linha, Dona Chica. Talvez ele tenha perdido o buraco da agulha, o caminho certo, mas você... você ainda tem muito a costurar dentro de si. E se o fogo se apagou, é hora de acender outro. Não seja costureira do que já não tem mais fio pra prender. Às vezes, o que a gente precisa é de uma linha nova, e não de remendar o que já não tem mais jeito.

 

Ela ficou em silêncio, os olhos mais claros, como quem já entendia que a costura da vida não se faz só com o que resta, mas com o que ainda pode ser criado.

 

Eu terminei de ajustar o vestido e entreguei-lhe o tecido com a linha bem firme, pronta. Quando ela saiu, com o coração mais leve, o gato preto me olhou, como quem sabia que a costura não é apenas sobre o que se vê, mas sobre o que se sente.

 

E, lá fora, o vento sussurrava entre as folhas secas, levando embora o que já não servia. O Zé e o vizinho? Eles eram apenas figuras no palco da vida dela, mas quem realmente estava costurando aquela história era Dona Chica.

 

Moral da História:

 

A história que contamos, cheia de buracos e linhas, é apenas um jogo de espelhos. Buscamos fora o que nos falta dentro. O desejo, as distrações e até a fama são como agulhas que tentam costurar o que está rasgado, mas no fundo, o buraco só pode ser preenchido de dentro pra fora. O engano está em acreditar que a costura está no outro, quando, na verdade, é a alma que precisa de cuidado, e o fio da verdade só pode ser puxado do coração. Cada linha que tentamos passar fora de nós é só um sintoma de que ainda não encontramos o ponto certo dentro de nós mesmos. A verdadeira costura é interna, e só quando aprendemos a preencher nossos próprios vazios com amor e autocuidado, é que os buracos do corpo e da alma se fecham, costurados com a paz que só vem de dentro.

 

Crônica reflexiva filosófica com alma de prosa (fictício)

 

É isso...

Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 25/04/2025


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