![]() Costura e Alumínio: na beira do mundo e da alma
Costura, velha benzedeira de tecidos rasgados conhecedora de pontos secretos, remendava um vestido antigo de silêncios na beirada do tempo quando o Alumínio, reluzente e amassado das andanças do mundo, chegou arrastando peso de memórias nas dobras e fazendo barulho.
>< Ainda tentando tapar o que o tempo rasgou? perguntou o Alumínio, todo lascado de marcas. E continuou. Ainda insiste em remendar. Alumínio cheio de vincos e cisma.
** A Costura sorriu, aquele sorriso de quem sabe dos mistérios antigos. Ajeitando o óculos na ponta do nariz, respondeu com a calma de quem já viu muitas luas minguarem:
** Não tapo, não. Eu contorno. Eu abraço o rasgo pra ele não sangrar mais // igual as lobas que curam ferida lambendo com paciência >> respondeu enquanto passava o fio de algodão cru no buraco da agulha grossa.
>< Alumínio, vaidoso das suas cicatrizes, bateu uma pontinha contra a borda da mesa. Tentando esticar suas dobras sem sucesso, suspirou: e continuou.
Eu também tenho minhas marcas // Mas sou duro demais pra costurar.
** Costura, sem pressa, soprou poeira de linha no ar: continuou Pois é aí que você se engana, meu fio metálico // Toda mulher que corre com os lobos aprende que não é a dureza que salva. É a maleabilidade de se dobrar sem quebrar. A alma da loba não se molda na força bruta. Ela se forja na paciência dos pontos e na dança do sopro. Insisto, não. Eu restauro a pele da alma. Cada ponto que dou é um fio puxado de volta pra quem esqueceu que é
>< Alumínio, meio amolecido de escutar tanta verdade, baixou a guarda e suspirou: > E se a pele rasgou demais? Se virou só esqueleto de lembrança? Então minhas amassaduras // também podem ser beleza?
** Costura sorriu de canto, como quem sabe do segredo enterrado debaixo da neve,apertou o último nó e disse:
Não só podem // como são o que te faz único. Toda dobra conta uma história que só quem tem olhos de loba sabe ler.
Pois é no esqueleto que mora a verdadeira história. A loba velha sabe: onde há ossos, há memória viva. O amor verdadeiro da alma começa quando aceitamos desenterrar o que parecia perdido.
>< Alumínio, já menos teso, deixou que uma lágrima de ferrugem escorresse. Então não preciso virar novo // preciso aceitar minhas marcas?
** Costura, batendo linha de algodão cru na agulha grossa, sentenciou: Exatamente. A loba não quer novidade. Ela quer verdade. Ela fareja a essência nas cicatrizes e canta canções pra quem tem coragem de ouvir.
E enquanto a máquina de costura gemia lenta e a luz da tarde beijava os amassados do Alumínio, Costura e ele entenderam: Não é consertar que salva // é se reconhecer remendado e, mesmo assim, inteiro.
E assim ficaram os dois: Costura remendando a vida e Alumínio reluzindo seus amassados, cada qual entendendo que ser inteiro é aceitar ser um tecido entre rasgos, remendos e brilho que vem da alma selvagem.
Moral
Na vida, como na alma selvagem, não se busca a perfeição: busca-se a inteireza. Cada cicatriz, cada amassado, cada ponto torto é um pedaço da nossa história de renascimento. Só costurando com linha de paciência e aceitação é que voltamos a vestir a pele verdadeira que nunca nos deixou.
Prosa poética filosófica mitologia
É isso Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 27/04/2025
Alterado em 27/04/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
|