Elixandra cardoso, costura pensamento

"Tecendo silêncios e sentidos entre fios e pensamentos"

Textos


Costura e Alumínio: na beira do mundo e da alma

 

Costura, velha benzedeira de tecidos rasgados conhecedora de pontos secretos, remendava um vestido antigo de silêncios na beirada do tempo quando o Alumínio, reluzente e amassado das andanças do mundo, chegou arrastando peso de memórias nas dobras e fazendo barulho.

 

>< Ainda tentando tapar o que o tempo rasgou? perguntou o Alumínio, todo lascado de marcas. E continuou. Ainda insiste em remendar. Alumínio cheio de vincos e cisma.

 

** A Costura sorriu, aquele sorriso de quem sabe dos mistérios antigos.

Ajeitando o óculos na ponta do nariz, respondeu com a calma de quem já viu muitas luas minguarem:

 

** Não tapo, não. Eu contorno. Eu abraço o rasgo pra ele não sangrar mais // igual as lobas que curam ferida lambendo com paciência >> respondeu enquanto passava o fio de algodão cru no buraco da agulha grossa.

 

>< Alumínio, vaidoso das suas cicatrizes, bateu uma pontinha contra a borda da mesa. Tentando esticar suas dobras sem sucesso, suspirou: e continuou.

 

Eu também tenho minhas marcas // Mas sou duro demais pra costurar.

 

** Costura, sem pressa, soprou poeira de linha no ar: continuou

Pois é aí que você se engana, meu fio metálico // Toda mulher que corre com os lobos aprende que não é a dureza que salva. É a maleabilidade de se dobrar sem quebrar.

A alma da loba não se molda na força bruta. Ela se forja na paciência dos pontos e na dança do sopro. Insisto, não. Eu restauro a pele da alma. Cada ponto que dou é um fio puxado de volta pra quem esqueceu que é

 

>< Alumínio, meio amolecido de escutar tanta verdade, baixou a guarda e suspirou:

> E se a pele rasgou demais? Se virou só esqueleto de lembrança?

Então minhas amassaduras // também podem ser beleza?

 

** Costura sorriu de canto, como quem sabe do segredo enterrado debaixo da neve,apertou o último nó e disse:

 

Não só podem // como são o que te faz único. Toda dobra conta uma história que só quem tem olhos de loba sabe ler.

 

Pois é no esqueleto que mora a verdadeira história.

A loba velha sabe: onde há ossos, há memória viva.

O amor verdadeiro da alma começa quando aceitamos desenterrar o que parecia perdido.

 

>< Alumínio, já menos teso, deixou que uma lágrima de ferrugem escorresse.

 Então não preciso virar novo // preciso aceitar minhas marcas?

 

** Costura, batendo linha de algodão cru na agulha grossa, sentenciou:

 Exatamente. A loba não quer novidade. Ela quer verdade.

Ela fareja a essência nas cicatrizes e canta canções pra quem tem coragem de ouvir. 

 

E enquanto a máquina de costura gemia lenta e a luz da tarde beijava os amassados do Alumínio, Costura e ele entenderam:

Não é consertar que salva // é se reconhecer remendado e, mesmo assim, inteiro.

 

E assim ficaram os dois: Costura remendando a vida e Alumínio reluzindo seus amassados, cada qual entendendo que ser inteiro é aceitar ser um tecido entre rasgos, remendos e brilho que vem da alma selvagem.

 

Moral

 

Na vida, como na alma selvagem, não se busca a perfeição: busca-se a inteireza. Cada cicatriz, cada amassado, cada ponto torto é um pedaço da nossa história de renascimento. Só costurando com linha de paciência e aceitação é que voltamos a vestir a pele verdadeira que nunca nos deixou.

 

Prosa poética filosófica mitologia 

 

É isso

Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 27/04/2025
Alterado em 27/04/2025
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