![]() “O Fio da Costura que Sangra” ( mulher)
Ela se chamava mulher, mas pouca gente sabia. Era mais conhecida como “a mulher do fulano”. E ali estava ela, no terreiro do tempo, suando debaixo do sol que não perdoa, com o fio da máquina atravessando seu colo como se cada ponto costurado fosse uma cobrança que a vida lhe fazia.
Costurava não só o pano // bordava silêncio, suor e um bocado de dor que ninguém via. Era mãe, era esposa de um homem que dizia "tá fazendo mais que obrigação", nora de uma sogra que vivia pra lembrar que mulher direita não reclama, e filha de uma mãe que só ensinou a se calar com elegância. A cada ponto, um "engole o choro". A cada flor bordada, um "faz um botox pra disfarçar a exaustão". O pano não era mais tecido: era pele esticada pela vontade dos outros.
A sociedade dizia que ela tinha que sorrir. Que mulher bonita é mulher arrumada. Que rugas são desleixo, que tristeza é drama, que raiva é histeria. E mulher, sem saber direito por quê, foi bordando essa mentira em si. Tomava os comprimidos da beleza, usava creme que queimava, fazia dieta de afeto e jejum de descanso. Até que um dia, o fio da agulha, rebelde, passou pela máquina, saiu do pano e se atravessou nela // e doeu. Doeu de um jeito manso e firme, como aviso de dentro.
Naquele dia, com a cabeça fervendo sob o sol, sentiu uma mão grande repousar sobre sua testa. Não era de ninguém visível. Era como um descanso, uma bênção, uma pausa. Como se a própria vida dissesse: “Fia, você não é só costura dos outros. Você é tecido sagrado."
E ela chorou. Não de fraqueza. Chorou de verdade. Como quem, enfim, desfaz a costura torta que os outros fizeram nela.
Continuou:
E foi ali, suada, pingando sal nos próprios ombros, que a mulher entendeu // não de ouvir, mas de sentir // que beleza de verdade não vinha do bisturi nem das revistas com mulheres que nunca suam. Não vinha do manequim desenhado em Paris, moldado por mãos que nunca seguraram uma panela ou acalentaram menino chorando.
Ela entendeu que a tal da beleza dela era mais pro lado da boneca de pano que a vó fazia no quintal, com retalho e reza. Tinha costura torta, mas tinha história. Tinha mancha de café e abraço de neto. Tinha olho de botão que via mais do que muito espelho moderno.
Mulher, então, soltou o fio da máquina. Deixou o pano cair no chão. E pela primeira vez em muito tempo, não quis se enfeitar pra caber. Quis apenas respirar, com o cabelo desgrenhado e o coração bordado de verdade.
Porque ela entendeu: ser simples não era ser menos. Era ser inteira.
Prosa poética metafórica reflexiva filosófica
É isso aí..................... Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 29/04/2025
Alterado em 02/05/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
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