![]() "Arremate Final"(Entre Linhas e Silêncios)...
Continuação: linha de Cansaço ( filho cuidador do pai idoso) Anos depois filho cuidador vira o velho....
Os anos passaram por Tonico como costura mal arrematada: foi ficando frouxo, foi se desfiando sem que percebesse. Os irmãos voltaram pras suas vidas, e ele ficou ali >< na mesma casa, com o cheiro do pai ainda entranhado nos móveis, mesmo décadas depois da morte.
Nunca se casou. Nunca costurou laço de afeto novo. O trabalho perdeu o brilho, a cidade cresceu e o esquecimento bateu à porta como vento em janela velha. Tonico se aposentou com um vazio que ecoava alto dentro do peito. Pela manhã, tomava café olhando a rua, esperando nada. À tarde, mexia nas gavetas da alfaiataria, como quem procura um tempo que não volta mais. À noite, falava sozinho, como o pai fazia.
Até que um dia tropeçou na quina da mesa. A dor não foi no osso >< foi na lembrança. Caiu, ficou ali estirado um tempo, o mesmo chão de antigamente, a mesma solidão de antes. E naquela posição, viu debaixo da estante um pedaço de tecido esquecido, meio engomado, com anotações do pai rabiscadas de leve: "Tonico veste bem azul-marinho. Ombro reto, mas coração torto."
Aquilo rasgou algo por dentro. Não era raiva. Era uma saudade amarga, de quem percebe que perdeu mais do que cuidou. Levantou com esforço, sentou-se à máquina de costura que ainda guardava, e mesmo com os dedos duros de idade, passou o tecido, alinhavou sem destino certo.
Foi nesse dia que resolveu costurar um último paletó >< pra ninguém. Só pra exercitar a memória. Cada ponto era um pedido de desculpa. Cada botão, um silêncio encaixado. E no forro, bordou com linha vermelha:
“Fio nenhum é eterno, mas uns seguem invisíveis, segurando a peça por dentro.”
Dizem que, quando Tonico morreu, foi encontrado na cadeira da alfaiataria, com o paletó no colo e um leve sorriso no rosto >< como quem, enfim, encontrou o ponto de paz que sempre faltou....
Análise Introspectiva de "Arremate Final (Entre Linhas e Silêncios)"
>< Sentimentos Principais (Tonico, agora idoso e só)
Saudade crua: não apenas do pai, mas de tudo que não viveu plenamente.
Melancolia silenciosa: a vida passou, e ele ficou >< imóvel nas lembranças.
Isolamento afetivo: nunca criou novos laços, prendeu-se à casa e ao passado.
Culpa amadurecida: agora mais serena, menos amarga, bordada em gesto.
Resignação contemplativa: aceita o fim como costura que se fecha devagar.
Redenção simbólica: costura o paletó como reconciliação com o pai, com a vida e consigo.
>< Sentidos Envolvidos (na experiência emocional da continuação)
Visão: Ver o tecido com a anotação do pai é enxergar finalmente o afeto que faltou.
Tato: O toque no tecido, na máquina, no paletó >< resgata o elo perdido.
Olfato: O cheiro do pai ainda nos móveis indica presença invisível e persistente.
Audição: O silêncio continua, mas agora pacificado.
Tempo: A ação de costurar o último paletó é o tempo costurado em gesto, não em palavras.
>< Temas e Causas Sociais Envolvidas
Envelhecimento solitário: Tonico representa os que envelhecem sem rede afetiva.
Masculinidade e repressão emocional: Tonico só expressa o que sente através da costura, nunca em voz alta.
Ciclo do cuidado invertido: de cuidador cansado, torna-se idoso abandonado.
Memória como redenção: pequenos objetos e gestos resgatam sentido na velhice.
Falta de sentido social pós-aposentadoria: a vida perde estrutura e propósito ao parar de trabalhar.
Reparação tardia: mesmo tarde, é possível costurar paz interior.
Parâmetro Representação no conto Leitura/Reflexão sugerida
Ciclo da vida Filho que cuida, depois envelhece só Quem estará conosco quando não pudermos mais cuidar de ninguém?
Memória e herança Tecido com anotação, paletó final O que deixamos invisível, mas presente, nas vidas dos outros?
Redenção emocional Costurar como forma de pedir desculpas Podemos nos perdoar sem precisar de resposta do outro?
Silêncio afetivo Palavras ausentes, gestos bordados Quando deixamos os gestos falarem mais que os discursos?
Morte serena Morrer com o paletó no colo, sorriso discreto É possível morrer em paz mesmo com arrependimentos?
Invisibilidade social Idoso sozinho, esquecido pela cidade e pela vida Como a sociedade trata aqueles que “não servem mais” ao sistema produtivo?
Encerramento simbólico da trama:
> Tonico representa a linha que resistiu mesmo puída. De cuidador invisível a idoso esquecido, sua trajetória costura um silêncio que atravessa gerações. Mas no fim, há reconciliação >< não com palavras, mas com gestos sutis. O paletó que não vestiu ninguém vestiu a própria alma: alinhavado de memórias, forrado de perdão, arrematado com um ponto de paz.
E talvez isso seja o máximo que podemos desejar: partir com o coração menos torto do que um dia foi....
conto em prosa poética com tom ensaístico, pois também provoca reflexão social e existencial >< especialmente sobre envelhecimento, cuidado e silêncio afetivo.
"A leitura é guiada pelo olhar subjetivo de quem lê, sendo interpretada de formas diversas conforme suas crenças, limitações e experiências. Por isso, um mesmo texto pode conter múltiplos significados."
É isso.... Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 09/05/2025
Alterado em 09/05/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
|