![]() "NO ATELIÊ DO INCONSCIENTE: Alfaiate Sigmund Freud faz reparos... Anos depois, Alfaiate Jacques Lacan ajusta com ponto cruz." ( repressão/ desejo/sonho)
inconsciente é um espaço de criação e reconstrução (um ateliê);
Que Freud e Lacan são alfaiates da psique, cada um com sua técnica;
Que o tempo é tecido / um repara, o outro ajusta;
Que o ponto cruz de Lacan não é só costura, é enigma, entrelaço, linguagem.
1900: Freud inaugura o ateliê com reparos profundos na alma, via sonhos e repressão.
1972: Lacan entra com o corte mais fino, ajustando com ponto cruz, metáforas e linguagem, deixando espaço para o furo, o desejo e a escuta. _________________<<<>>>_________________
O ano era 1900. A Viena fria parecia ter sido bordada em tons de cinza. Nas ruas, o vapor das caldeiras misturava-se aos suspiros contidos dos que passavam. Dentro do ateliê, um tapete persa alisava o chão como se quisesse conter os passos hesitantes dos pacientes que adentravam ali / não para serem curados, mas para serem ouvidos.
Ela ( e ) entrou com um manto escuro e olhos que carregavam silêncios costurados há gerações. As mãos tremiam, mas foi só quando se sentou / e as palavras não vieram / que o ritual começou. O Doutor Freud, com sua barba cheia e olhar que parecia perscrutar o tecido da alma, não disse nada. Apenas acenou com a cabeça e deixou o tempo se abrir como um zíper antigo....
“Fale o que vier à cabeça”, ele disse, como quem entrega uma agulha e um fio e pede que a alma borde seu próprio novelo.
(Ela) (e) / não sabia ainda, mas ali começava o rito. Não era consulta, era quase uma invocação, era iniciação sagrada da alquimia.... Cada palavra era um ponto invisível na bainha da consciência. Cada pausa, um desejo escondido entre o forro do tempo e o avesso da infância.
A (sacerdotisa) (sacerdote) ainda dormia dentro dela(e) encolhida, coberta com véus de repressão e culpa / loba(o)uivando, mas a costureira (o) das sombras já se movia. Sentava-se junto ao divã, invisível aos olhos do doutor, e sussurrava ao ouvido da mulher ( homem): “Desfia.”
O Doutor ajeitou os óculos com lentidão cerimonial. Cruzou as mãos sobre o colo e, sem desviar os olhos dela, disse com voz baixa, como quem fala diante de um véu prestes a ser levantado:
Veja, minha cara ( o ).......o que chamam de sintoma, eu chamo de costura mal feita. Um ponto puxado demais, um desejo reprimido dobrado ao meio e escondido no avesso da fala. O inconsciente não esquece / ele dobra, torce, esconde. Mas uma hora o tecido estoura. E aí nos procuram, como quem traz um vestido de luto pedindo conserto, sem saber que o luto é por si mesma.
Ela (e) o ouvia com o olhar marejado, como se as palavras do velho médico arrancassem, fio a fio, os pontos que a prendiam num silêncio ancestral.
Seus sonhos / ele continuou, agora com os olhos semi-cerrados / são moldes. Os atos falhos, alfinetadas. O recalque... esse é o dedal da alma. Protege, mas impede o toque. O desejo, minha cara, não morre. Ele se esconde nos bolsos do inconsciente, nas pregas da memória.
Fez uma pausa, inclinou-se levemente:
Aqui, nesta sala, não há pecado. Há retorno. Há você voltando à origem da sua própria costura. Um retorno ao ponto anterior ao nó.
Ela baixou os olhos, e por um instante, jurou ouvir a voz da costureira (o) outra vez:
“Desfia sem medo. Rasgue com reza. Só assim se aprende a bordar desejo com verdade.”
Vamos costurar a transição: o tempo muda, a análise muda, o simbólico ganha novas formas, e a sacerdotisa (o) -loba (o)-costureira( o) atravessa o tecido do conto, agora no território de Lacan.Passaram-se décadas. As roupas mudaram, mas os desejos continuaram costurados por dentro.__________________>><<__________________
O ano era 1972. Paris não era mais a mesma. As ruas cheiravam a cigarro e filosofia. O divã agora era menos almofada e mais espelho. E o ateliê..... era quase um palco.
Ela( e )voltou. Outras roupas, outras palavras, mas o mesmo olhar costurado. Agora, quem a esperava era um homem magro, de voz aguda e enigmas nos bolsos.
Jacques Lacan a observou como quem escuta o tecido antes de rasgar.
Madame...... o desejo é o desejo do Outro disse, quase como quem pronuncia uma senha. E o sujeito (a)..... ah, o sujeito é furo. Furo na trama. O real? Aquilo que não se borda.
Ela (e) sentiu um calafrio. Como se as palavras dele não fossem explicação, mas feitiço.
O que quer? / ele perguntou.
Ela(e) hesitou. Porque a pergunta feria como agulha. Porque o que queria de verdade dormia em silêncio entre os pontos de sua infância.
Lacan se levantou, caminhou ao redor dela como um alfaiate examinando o invisível.
Não se trata de entender, madame. Trata-se de se escutar sendo costurada pela linguagem.
O inconsciente é estruturado como uma linguagem. E você... você é um texto em revisão.
Foi então que ela( e) sentiu. Um cheiro antigo. De alfazema, café forte e pano molhado no tanque. A sala se dilatou em símbolo. E ela apareceu.
A sacerdotisa.( sacerdote) A loba.( lobo) A costureira.( costureiro)
Sentou-se ao lado do divã com sua caixa de linhas tortas. Tinha olhos de quem viu o tempo inteiro. Voz de quem sabia as palavras antes que fossem ditas.
Tô aqui, fia / disse, enquanto enfiava linha na agulha com firmeza. Teu desejo não é pecado. É bicho faminto esperando nome.
Fez o sinal da cruz, benzeu o silêncio e começou a costurar:
Vai rasgar o que tiver que rasgar. Vai dançar com o que doer. Porque pra virar mulher ( homem ) inteira (o), tem que remendar a alma com ponto aberto.
Ela(e) chorou. Mas não era pranto de dor / era parto.
O divã virou altar. O ateliê, terreiro. E o silêncio, agora, era tambor.
A costureira (o)-loba (o) sacerdotisa (e) dançava ao redor dela (e), pés descalços, manto rodada de camadas de infância, juventude e culpa costuradas com ponto de cruz. No pescoço, um colar de botões perdidos. Nos olhos, o brilho de quem já tinha sido todas: a menina muda (o), a amante escondida (o), a mãe (pai) engolida.
E a voz dela(e) soou clara, como nunca antes:
Eu quero. Quero rir alto sem me pedir desculpa. Quero dançar sem olhar se tem espaço. Quero amar com fome e sem castigo.
Lacan apenas acenou, como quem reconhece que, diante da fala verdadeira, a análise silencia. Ali, a linguagem não era mais cárcere. Era asa.
E Freud, lá do outro lado do tempo, talvez tivesse sorrido com aquele seu meio-sorriso, de quem também sabia que às vezes, o desejo encontra jeito de se dizer / mesmo com gaguejo, mesmo com costura torta.
A sacerdotisa( e) loba (o) costureira (o)então fez o último ponto.
Assoprou a linha, cortou o excesso, benzeu o tecido da alma e disse:
Pronto, fia. Tá pronta pra viver. Mas ó: viver mesmo, dói mais que sonhar. Vai com tua loba( o) sacerdotisa( e) costureira(o). Vai com tua reza. E se rasgar de novo… volta. Que eu te ensino outro ponto.
Nota para o leitor:
Este é conto analítico-lírico, tecido com metáforas psicanalíticas e simbólicas. As personagens/ sacerdotisa (e), loba (o) e costureira (o) / dialogam com com arquétipos do feminino e masculino profundo ( inspirados por Carl Jung ), enquanto os alfaiates Freud e Lacan conduzem, como mestres do corte e costura do inconsciente, os ritos da escuta e da elaboração. Quase como se fosse uma iniciação alquimista sagrada. Ao final, acrescento um pequeno ensaio explicativo para os leitores interessados nos bastidores simbólicos e teóricos da trama. Por fim.... caso tenha o interesse ( sobre os arquétipos, psicanálise, o papel do analista, etc ) Segue abaixo.... Se não o conto já basta...
Introspecção do conto “No Ateliê do Inconsciente”
O conto, dividido em duas eras / a de Freud (1900) e a de Lacan (1972) / representa a jornada psíquica de uma mulher ou um homem que busca compreender a si mesma por meio da análise. A história alterna entre linguagem poética e simbolismos arquetípicos, mas nesta leitura, vamos nos debruçar sobre seu sentido mais profundo, em linguagem direta.
O personagem principal traz consigo angústias e sintomas que, segundo a psicanálise freudiana, estão relacionados a desejos reprimidos, vivências infantis recalcadas e culpas inconscientes. Ela (e) não procura conselhos, soluções rápidas ou diagnósticos prontos, mas sim um espaço de escuta onde possa entrar em contato com o que foi excluído de sua consciência / e que, por isso mesmo, insiste em retornar em forma de sintomas.
O papel do psicanalista, tanto na visão de Freud quanto na de Lacan, não é dar conselhos ou oferecer receitas de vida. Ao contrário de abordagens diretivas, a psicanálise aposta na associação livre e na interpretação dos discursos do paciente, ajudando-o a ouvir a si mesmo. O analista escuta / sem julgamento / o que escapa da lógica do eu, permitindo que o sujeito se reencontre com seus próprios significados.
Psicanálise e ciência
A psicanálise, desde sua origem, não foi aceita plenamente como ciência empírica, principalmente por sua metodologia singular: ela não parte de experimentos laboratoriais, mas da escuta da subjetividade. Ela se insere num campo clínico e interpretativo, onde cada sujeito é único e suas histórias não são mensuráveis por instrumentos clássicos da ciência.
No entanto, sua coerência interna, rigor conceitual e eficácia clínica sustentam seu valor terapêutico e filosófico. A psicanálise é, antes de tudo, um método de investigação do inconsciente.
O inconsciente, os sonhos, a repressão e a culpa
Para Freud, o inconsciente é uma instância da mente onde estão armazenados desejos reprimidos, lembranças censuradas e conteúdos que o sujeito não reconhece como seus, mas que ainda assim o afetam. Os sonhos são a via régia para o inconsciente / isto é, uma das formas mais privilegiadas de acessar esses conteúdos disfarçados. A repressão é o mecanismo que empurra certas ideias para o inconsciente, geralmente por serem consideradas inaceitáveis pela moral ou pela consciência. A culpa, por sua vez, é o afeto que sinaliza esse conflito interno entre o desejo e a norma.
A virada lacaniana
Décadas depois, Jacques Lacan retoma Freud com um novo olhar: o inconsciente, segundo ele, é estruturado como uma linguagem. Para Lacan, o sujeito não é senhor de si, mas sim atravessado por palavras, discursos e símbolos que o moldam desde o nascimento. O desejo é o que escapa à plena significação / ele nunca se realiza por completo, sempre falta algo.
Lacan destaca também a função do Real, o que escapa à linguagem e nunca pode ser plenamente simbolizado. No conto, essa passagem é marcada por uma mudança na clínica: do divã acolhedor de Freud ao consultório cortante de Lacan, onde o analista faz cortes no discurso do paciente para provocar o surgimento de uma verdade nova.
A presença da sacerdotisa (e) , da loba (o) e da costureira (o): arquétipos junguianos
Dentro da protagonista (o), surgem três imagens simbólicas: a sacerdotisa (e), a loba(o) e a costureira(o). Essas figuras não são apenas invenções poéticas, mas podem ser compreendidas como arquétipos do inconsciente coletivo, conforme proposto por Carl Gustav Jung.
Três arquétipos junguianos que dialogam com essas figuras:
1. A Grande Mãe (ou Mãe Sábia) / associada à sacerdotisa, representa o saber ancestral, a intuição, a gestação da alma e o poder da introspecção. É a guardiã do mistério interior.
2. A Mulher Selvagem (ou Loba) / representa a natureza instintiva, a força vital, a liberdade não domesticada. Dialoga diretamente com o arquétipo explorado por Clarissa Pinkola Estés em Mulheres que Correm com os Lobos.
3. A Artesã (ou Tecelã) relacionada à costureira, é o arquétipo da reconexão, da reconstrução interior, da capacidade de integrar partes fragmentadas da psique por meio do trabalho simbólico.
Esses três aspectos internos aparecem na narrativa como expressões da própria mulher em análise. Elas não são externas / são aspectos da sua psique profunda que emergem ao longo do processo de escuta analítica. Quando não temos domínio consciente da Sacerdotisa, da Loba e da Costureira
Aqui está uma correspondência simbólica dos arquétipos masculinos:
1. O Sacerdote (equivalente à Sacerdotisa) Arquétipo correspondente:
O Mago / Velho Sábio (na visão junguiana)
Função simbólica: É o detentor da visão espiritual, o que acessa o invisível, lê os sinais, traduz os mistérios. Quando integrado, o sacerdote interno conecta o homem com seu propósito mais profundo, com o sagrado da existência. Quando reprimido ou negado, vira dogmatismo, arrogância intelectual ou um vazio espiritual disfarçado de racionalismo.
2. O Lobo (equivalente à Loba)
Arquétipo correspondente:
O Guerreiro Selvagem / Instintivo
O Caçador Arquetípico
Função simbólica: É o instinto que protege, avança, luta e defende o que é vital. É também o que fareja perigo e verdade. Quando integrado, o lobo não destrói / ele delimita território, preserva, e segue sua trilha. Quando negado, o lobo vira violência cega, dominação, ou então covardia e submissão crônica.
3. O Costureiro (equivalente à Costureira)
Arquétipo correspondente:Quando não temos domínio consciente da Sacerdotisa, da Loba e da Costureira
O Artesão / Ferreiro / Curador
Função simbólica: É o que reconstrói, remenda e dá forma com as próprias mãos. No masculino, esse arquétipo é profundamente ligado ao trabalho simbólico e à responsabilidade pela própria dor. Ele é o que junta os cacos sem negar a queda. Quando inconsciente, o costureiro vira o homem que se esconde no trabalho compulsivo, ou aquele que não sabe como lidar com seus erros e se torna estéril emocionalmente.
Quando não há domínio consciente da Sacerdotisa (e), da Loba (o) e da Costureira(o)
Quando esses arquétipos permanecem inconscientes ou reprimidos, suas forças agem à revelia da nossa vontade. Em vez de guiar, tomam o volante por impulso.
A sacerdotisa (e), quando negada, se transforma em silêncio paralisante ou misticismo vazio. Perdemos a escuta interior, a sabedoria intuitiva. A vida vira excesso de ruído externo e falta de direção interna.
A loba (o), quando reprimida, se manifesta em impulsos destrutivos, relações tóxicas ou submissão ao ponto de extinção do desejo próprio. Sem ela, falta coragem pra dizer “não”, ou para dizer “sim” ao que arde por dentro.
A costureira (o), quando esquecida, nos deixa com a sensação de que estamos sempre em pedaços. Vemos as feridas, mas não sabemos como reintegrá-las. Sem ela, acumulamos histórias mal fechadas, culpas não ressignificadas, e uma constante sensação de desalinho interno...
Esses arquétipos, quando inconscientes, não desaparecem / eles se deslocam para o sintoma, o sofrimento ou o destino repetido. Tornam-se fantasmas que sussurram através do corpo, dos relacionamentos e das escolhas não compreendidas.
É por isso que o trabalho psicanalítico / como o narrado no conto / não é sobre ensinar a pessoa a “ser forte” ou “positiva”, mas sim dar lugar à escuta dessas forças internas, reconhecê-las, e integrá-las de forma simbólica à consciência.
Só então a sacerdotisa ( e) poderá guiar, a loba(o) proteger, e a costureira(o) reconstruir..
Essas forças existem dentro de todos nós, e o processo analítico nos ajuda a trazê-las à consciência / não para dominá-las no sentido de controle, mas para reconhecê-las, dialogar com elas e permitir que cooperem com a vida psíquica, e não atuem de forma sombria ou sabotadora....
Conclusão
O conto é, acima de tudo, uma jornada psíquica de retorno a si mesma / não pelo caminho da razão lógica, mas pelo trabalho simbólico, pela escuta do desejo e pela costura das partes antes rejeitadas.
A mulher( homem) que busca ajuda encontra em si mesma a sacerdotisa (e), a loba(o) e a costureira(o). E encontra, através da psicanálise, um espelho onde pode finalmente se ver, não como erro, mas como texto em construção.
"A leitura é guiada pelo olhar subjetivo de quem lê, sendo interpretada de formas diversas conforme suas crenças, limitações e experiências. Por isso, um mesmo texto pode conter múltiplos significados."
É isso
Elixandra ( costura pensamento)
Enviado por Elixandra ( costura pensamento) em 22/05/2025
Alterado em 23/05/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |