Elixandra cardoso, costura pensamento

"Tecendo silêncios e sentidos entre fios e pensamentos"

Textos


Vestida de Mil: O Costurário secreto /Avesso Também É Pele

Trama sintética 07/07/2025

 

Todavia, mais um capítulo sintético é escrito na varanda de casa / com chá quente, céu entreaberto e os pensamentos tentando costurar sentido e o corpo querendo dança.

 

O sol da tarde já se despedindo.  

Na caixa de som, um remix dançante anos "90"  se arrastava, lembrando ao corpo que ele ainda sabia rir e levantar ferrugem / mesmo que por dentro estivesse todo remendado. 

 

No embalo do som, o portão bateu.

Fui abrir.

 

Era uma amiga. Ana que reencontrei no 

domingo passado, na fila da padaria, entre um pão francês e uma saudade mal resolvida.

Ela tinha estado fora por uns bons anos / agora voltava pra terra natal, com aquele ar de quem acabou de rasgar o último contrato com a perfeição.

 

Tínhamos marcado um chá aqui em casa pra colocar as costuras da vida em dia.

Nos abraçamos. Ela entrou. A música ainda chiava baixinho na caixa,  agora um Alceu Valença.

Ela sentou na cadeira, soltando os ombros como quem larga o mundo por uns instantes, e pede socorro....

 

Fui à cozinha preparar o chá.

 

Disse a mim mesma:

“Isso pede um chá quente / porque costura de alma em conflito, minha filha, só ferve se for com erva forte.”

 

Escolhi camomila com pétalas de hortelã e, só pra provocar um risinho de memória afetiva, adocei com lascas de rapadura vinda do Maranhão....

 

Voltei com as xícaras fumegando.

 

Ela tomou um gole e, entre um suspiro e um silêncio cheio de coisa não dita, soltou:

 

—* Voltei, amiga a terra natal.

—* Separei do marido.

— *A vida me rasgou em mil partes...

— * perdi o emprego

— *  E a Alma em mil rasgos

 

Parei no tempo.

A frase ficou suspensa no ar como uma fita métrica girando no vento.

Tomei um gole seco de chá / que naquela hora parecia licor de pitanga com petisco de verdade crua.

 

E me vi.

 

Voltei o olhar pra ela / mas na verdade, era pra mim que eu olhava.

 

Quantas vezes fui rasgada também?

Quantas dores segurei com alfinetes invisíveis, só pra não desmontar na frente dos outros?

Quantos silêncios me engoliram enquanto eu tentava parecer inteira?

Quantas vezes tentei ser uma só, só pra caber nas expectativas alheias?

Quantas vezes me vesti de “forte”, “madura”, “equilibrada”.....

quando por dentro minha alma pedia licença pra ser contraditória?

Talvez, no fundo, todas tenhamos um costurário secreto.

 

Um canto da alma onde guardamos os retalhos daquilo que já fomos, os fios soltos de sonhos que a vida não deu conta de terminar.

As cicatrizes que escondemos por educação.

os trajes que usamos pra sobreviver.

O vestido da filha obediente.

A camisa da profissional impecável. A llingerie da tristeza

O pijama da exaustão.

As dores que disfarçamos com batom blush e bom humor.

 

Mas nenhuma dessas dores é fraqueza.

Elas são tecido vivido.

 

Porque o avesso também é pele.

E pele sente, dói, rasga / mas também se refaz.

 

A sociedade, porém pede coerência, não gosta do avesso.

Nos cobra um “eu” sólido, contínuo, apresentável.

Quer a gente passada, passada a ferro, passada por cima.

Nos vigia e, quando não entendem, nos rotulam.

 

Se você não aguenta,/ é fraca, instável.

Se chora,/ é drama, desajustada.

Se grita,/ é descontrole, recebemos um diagnóstico do outro.

 

Mas e se ser rasgada for também uma forma de ser real?

 

A ciência diz que nascemos com um roteiro programado: DNA, traumas, predisposições, temperamento genético, tendências neurológicas.

Mas isso não prova estabilidade / prova o contrário:

que somos múltiplas desde o início.

 

Mas nenhum gene explica como a gente remenda o que não tem mais costura.

Nenhuma teoria mapeia o que fazer quando o chão some e o botão da dignidade cai bem no meio da rua.

 

Se fosse tão simples assim, não estaríamos todos tentando parecer prontos com linha de costura improvisada e um sorriso torto.

Claro, nem todos pensam assim.

 

Alguns filósofos sempre buscaram unidade.

 

Platão sonhava com a ordem da alma. Acreditava numa  essência imutável

Descartes dizia: confiava num “eu pensante” como base de tudo / penso, logo existo / como se o pensamento fosse sempre claro e controlado.

Jung buscava o “Self” iluminado, o centro do quebra-cabeça. Mais a ele Jung, que abriu espaço para o inconsciente coletivo, ainda buscava um profundo  fixo.

Freud mapeou uma estrutura entre o id, o ego e o superego.

Mas e se não houver centro?

E se a vida for mesmo de remendos e cicatrizes bordadas, e não de respostas definitivas?

 

Outros pensadores diriam: “Bem-vinda ao clube do rasgo”

 

Nietzsche achava bonito rasgar. Nos ensinou a rir da ideia de essência fixa / ele preferia o eterno retorno da diferença.

Bauman chamava tudo de líquido,falou da identidade líquida / que escorre, que se transforma.

Foucault diria que até a loucura é uma invenção da ordem, nos alertou: a normalidade é uma prisão bem decorada.

Judith Butler nos mostrou que até o gênero é performance: uma repetição aprendida, não uma verdade natural.

 

E eu?

 

Sou feita de mil retalhos, cada um vindo de uma fase, de um tropeço, de um renascimento improvisado.

Tenho pedaços que não combinam, mas contam histórias.

Tenho dor que virou renda.

Tenho perda que virou alça nova.

 

Vestida de mil não é confusão / é expansão./ não porque tenho mil máscaras,

mas porque tenho mil versões costuradas com verdade.

É o grito contra o molde.

É a alma dizendo: “sou palco, não personagem fixa”

 

Naquele domingo de chá e confissões,

minha amiga Ana  não sabia, mas me deu um espelho.

Talvez até um alvará de soltura.

 

E ali, entre um gole e outro, eu compreendi:

 

Ser forte não é nunca se rasgar.

É saber se costurar / com a linha que tiver.

 

E quer saber?

 

O avesso também é pele.

E às vezes, é até mais bonito que o lado certo.

 

Conclusão: como Interpretamos Nossa Realidade Uma Visão a partir de Nietzsche. ( CONFLITOS)

 

A vida, por vezes, se apresenta como um tecido áspero, entrelaçado por fios de dor, desafios e contradições. É como um vasto tear de conflitos / e, não raramente, a cultura tenta suavizar esses nós, como se pudesse nos proteger da natureza inevitável do sofrimento.

 

Contudo, como nos lembra Nietzsche, essa tentativa de nos blindar dos conflitos mostra-se ilusória. A dor não nasce da cultura, mas da própria essência da vida. A existência pulsa em forças contrárias, em tensões que, ao se confrontarem, moldam formas, sentidos e criação.

 

Nietzsche nos convida a um outro olhar: ao invés de buscarmos proteção contra o sofrimento, deveríamos cultivar força interior para enfrentá-lo. Mais do que suportar a dor, é preciso transmutá-la / convertê-la em ação, em potência criadora. A paixão das coisas, quando intensa demais, torna-se descontrole, angústia; mas, canalizada, pode se tornar expressão, transformação, arte, movimento.

 

Este é o grande desafio da existência humana transformar a vida dolorida em arte de viver: como canalizar a angústia de estar no mundo, essa inquietude que nos atravessa? Diferente dos outros seres vivos, o Homo sapiens não apenas vive / ele tem consciência de que vive. Há algo em nós, uma instância invisível e constante, que observa, interpreta, avalia. Somos habitados por uma vigília interior / uma consciência que nos sonda, nos interroga, nos coloca frente a frente com nossos valores, nossos medos, nossas contradições.

 

É nesse diálogo silencioso entre o que somos e o que pensamos ser que nasce a complexidade de viver. E talvez, como Nietzsche aponta, não devamos fugir desse embate, mas aprender a dançar com ele / pois é no conflito, e não na fuga dele, que a existência se faz plena de significado.

 

 

10 Perguntas-Espelho-Reflexão....

 

. Qual foi a última dor que você costurou em silêncio, fingindo que estava tudo bem?

 

. Quantas vezes você já se remendou sozinho, só pra continuar cabendo no mundo dos outros?

 

. Você já mostrou o avesso de si pra alguém / aquele que não é bonito, nem pronto?

 

. Será que as tuas feridas são falhas….. ou mapas secretos de quem você é de verdade?

 

. Quantos pedaços de si você deixou pelo caminho só pra parecer inteiro pra alguém?

 

. Se tirassem todas as suas máscaras agora….. o que sobraria embaixo?

 

. Você se veste mais pra esconder ou pra revelar?

 

. Será que você ainda reconhece as linhas que te costuraram / ou já virou um tecido que nem sabe mais de onde veio?

 

. E se ser instável for só o nome bonito de estar em transformação?

 

. Quantas versões suas você tentou enterrar / quando, na verdade, elas só queriam respirar?

 

crônica literária com estrutura de prosa poética/ e alma filosófica reflexiva

 

É isso

 

Elixandra (costura pensamento filosófico)
Enviado por Elixandra (costura pensamento filosófico) em 07/07/2025
Alterado em 08/07/2025
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